Mudanças que acontecem em uma velocidade que chega a surpreender até as pessoas mais "conectadas" com o universo globalizado. Inovações que precisam ser acompanhadas e que exigem das pessoas a capacidade de superação de limites, para que não sejam excluídas de um mercado extremamente competitivo. Nesse contexto, profissionais de gerações diferentes precisam formar times que agreguem valores, que façam o diferencial e que saibam respeitar o diverso.
Diferentemente da teoria, a prática mostra que a convivência entre indivíduos que comungam de valores distintos não é algo tão fácil de gerir, afinal cada indivíduo possui vivências próprias e que aos olhos dos seus pares podem ser consideradas obsoletas ou, então, arriscadas demais para serem aplicadas de forma imediata. Isso mostra a situações experienciadas por colaboradores de várias faixas etárias como os Baby-Boomers e aqueles pertencentes às gerações X e Y. Mas, será que esse "mix" de profissionais precisa culminar em conflitos ou podem se complementar? Foi justamente para analisar esse assunto que o RH.com.br entrevistou Eline Kullock, presidente do Grupo Foco, que há vários anos, pesquisa as tendências do comportamento dos jovens no campo profissional. Segundo ela, a geração Y possui um conceito de "rapidez" diferente do de outras gerações. "rapidez" significa "agora". "A organização deve escutar atentamente às reivindicações dos jovens e procurar entender se o que eles pedem é legítimo e factível", assinala. A entrevista concedida por Eline Kullock, possui pontos relevantes para uma análise sobre essa miscigenação de gerações que forma as organizações. Boa leitura!
RH.com.br - A geração Y mostra-se foco de grandes discussões nas corporações. O que torna esses profissionais tão especiais para o mercado?
Eline Kullock - Esse pessoal é muito rápido no seu processo decisório, o que é muito importante no mundo dinâmico ao qual estamos inseridos. Tem um conhecimento da tecnologia muito intuitivo. Cresceram com a nova tecnologia e, por causa disso, utilizaram uma determinada parte do cérebro para aprender. Quando aprendemos uma língua e somos crianças, ficamos sem sotaque. A mesma coisa acontece com o aprendizado da tecnologia. Eles ficam "sem sotaque" na tecnologia. São o que se chama Digital Natives. Essa juventude está acostumada a tomar decisões baseada no mundo do "muito", isto é, que têm várias variáveis intervindo num problema. Eu, como Baby Boomer, sou de uma geração que tomava decisões baseada no "pouco". Havia poucas marcas de um produto, poucos canais de TV, poucos cursos universitários a seguir. O Baby Boomer quer controlar todas as variáveis e essa tropa jovem sabe que, hoje, isso não é possível. Os jovens da Geração Y são ainda mais otimistas e usam mais humor no dia a dia das suas vidas.
RH - Conviver com os "Y" tem sido complicado para profissionais de outras gerações?
Eline Kullock - Sim, tem sido complicado. Por quê? Porque ao mesmo tempo em que eles têm uma visão do mundo atual - e talvez de futuro - mais adequada à realidade, ao mesmo tempo em que são mais rápidos, mais tecnológicos, eles têm muitas diferenças de comportamento em relação às outras gerações. Por terem sido educados de uma forma menos autoritária que as outras gerações, não aceitam uma autoridade que venha impor tarefas ou conceitos sem uma boa explicação convincente. Acreditam que o tempo passa muito rápido e que eles precisam vivê-lo intensamente. Então, não costumam ficar muito tempo numa empresa, preferindo ter várias experiências. Não possuem uma alta resistência às frustrações, porque foram menos expostos a essas. Com isso desistem com mais facilidade do que pessoas de outras gerações. Não costumam ter visão de longo prazo, já que a vida existe aqui e agora. O conceito de futuro ainda não é bem absorvido: o importante é viver o presente. A geração Y possui um conceito de "rapidez" diferente do de outras gerações. "rapidez" significa "agora".
RH - Quais são as principais dificuldades que os Baby-Boomers e a Geração X enfrentam ao trabalharem com a geração Y?
Eline Kullock - Com todos os comportamentos descritos anteriormente, as relações entre as gerações é mais complicada se estes conceitos não foram explicitados. Há certo preconceito de parte a parte que precisa ser digerido. Os jovens precisam entender porque os mais velhos são mais lentos no aprendizado da tecnologia, porque são mais autoritários - foram educados desta maneira, enfim, tudo o que aconteceu durante o período da história em que estas gerações foram educadas. Ao mesmo tempo, como no Brasil é importante ser jovem - este é um país onde 47% da população estão abaixo de 25 anos, tudo é voltado para o jovem. O marketing de todos os produtos, as campanhas, os produtos. Os mais velhos não querem se sentir excluídos desse conceito de juventude e procuram seguir até a moda ditada pelos jovens. Aprendemos até a perguntar a eles se nossa roupa está adequada para sairmos. São eles que opinam sobre produtos a serem comprados em casa, sobre as férias, sobre o almoço de domingo, tendo, portanto, uma participação na vida familiar muito maior do que os Baby Boomers tiveram. Esta educação tem impacto no momento em que o jovem entra no mercado de trabalho: ele quer opinar em tudo, também, como está acostumado.
RH - Esse suposto conflito de gerações possui suas raízes nos mapas mentais criados por cada geração?
Eline Kullock - Sim, porque uma história vivida decide uma cultura que determina um comportamento. Assim, o que o país vivia em cada época, bem como os hábitos e os costumes de uma sociedade somados à forma como fomos educados por nossos pais, interferem no nosso comportamento e na nossa visão do mundo. Antigamente, a família reunia-se na sala, havia uma única TV na casa, que normalmente ficava na sala e tínhamos que compartilhar com outros as nossas decisões. As famílias eram mais numerosas e tínhamos que dividir as decisões, roupas, tudo enfim. Tomávamos conta dos irmãos menores. Hoje as famílias optam por ter um número menor de filhos para poder dar mais atenção a cada uma das crianças e oferecer uma melhor formação para o futuro. Tudo isso impacta no comportamento dos jovens que não aprenderam a "dividir", sendo mais egoístas e autocentrados do que os jovens de outras gerações. Os Baby Boomers viveram num momento de mundo onde o Brasil passava por uma ditadura, as pessoas não podiam se expressar livremente, a educação era mais rígida, determinando um comportamento que ainda aceita a autoridade de forma mais tolerante.
RH - Em sua opinião, quem sente mais dificuldade de relacionamento: a geração Y em relação aos baby-boomers e à geração X ou vice-versa?
Eline Kullock - Acredito que os baby-boomers tenham mais dificuldades no tratamento com a geração Y. São comportamentos muito diferentes do que eles estão acostumados a ver, a vivenciar, e isso faz com que os preconceitos aumentem. Além disso, todo contato com um jovem nos coloca diante de um espelho, que nos diz que estamos ficando velhos. Ser velho ou terceira idade, como passaram a chamar para atenuar a "dor" do envelhecimento, não é bom. Este contato direto com os jovens nos deixa desconfortáveis. Não admira que, no Brasil haja tantas cirurgias plásticas. Todos precisam ser jovens. Este é um país onde uma mulher, ao envelhecer, não pode ter cabelos brancos! As europeias e as americanas ostentam os cabelos brancos com orgulho. No Brasil, ser mais velho não traz uma mensagem de amadurecimento e sim de exclusão. A geração X tem mais facilidade de ser um interlocutor entre as gerações mais novas e mais velhas.
RH - Na prática, como as gerações anteriores devem trabalhar seus conceitos para se adaptarem à geração Y?
Eline Kullock - As gerações mais velhas não devem ceder a todas às reinvindicações dos mais jovens. Uma criança, na formação de sua personalidade precisa negar as opiniões e os comportamentos de seus pais para entender que tem sua própria personalidade. Assim é o jovem, que precisa de limites. A organização deve escutar atentamente às reivindicações dos jovens e procurar entender se o que eles pedem é legítimo e factível. Deve discutir cada decisão - concordando ou discordando da opinião dos jovens - com os seus funcionários, para que eles entendam que o processo é participativo, mas a decisão, muitas vezes não pode ser participativa, se não é cabível, se não é exequível. Os jovens vão aprender muito com isso e respeitar mais seus líderes, sendo modelos para a incorporação de estilos de liderança. Precisamos dedicar mais tempo aos aspectos do gerenciamento das pessoas, porque isto agora é mais complexo. Não há manuais de autoajuda. Há modelos de liderança que dão certo num determinado contexto e tempo.
RH - Quais os principais fatores comportamentais que a senhora assinalaria como positivos na Geração Y, bem como aqueles que podem ser vistos como negativos por muitas empresas?
Eline Kullock - Diria que eles são mais rápidos, mais direcionados às tarefas, são capazes de ter um pensamento não linear e fazem várias tarefas concomitantemente - não há esta história de ser multitarefa, tente escrever e falar ao mesmo tempo e você compreenderá que há partes do cérebro que não podem funcionar ao mesmo tempo. Os talentos da geração Y aprendem de uma forma diferente da forma como aprendíamos, porque aprendem por tentativa e erro - fruto de uma educação que foi descartando a existência de manuais. Os jovens aprendem sem os professores, sem a opinião dos pais, sem ler enciclopédias - ai, os meus tempos de Delta Larousse e Barsa. Aprendem com os pares e isso dá uma noção de igualdade entre as pessoas muito diferentes da época e do tempo em que ficávamos de castigo por não conseguir aprender um determinado conteúdo. A hierarquia era mais importante no passado. Respeitavam-se mais professores - donos do saber - em relação a um momento da sociedade onde o saber é compartilhado. Ao mesmo tempo, como eu já disse, a geração Y tem uma autoestima talvez alta demais, possui menos resistência a frustrações e, provavelmente, tem um autoconhecimento menor, porque foi criada como a geração "troféu", recebendo prêmios por qualquer resultado alcançado, porque todos os educadores nos disseram que era preciso liberar o potencial criativo de cada um.
RH - Formar equipes diversas, com a presença de várias gerações, sempre culminará em conflitos?
Eline Kullock - Formar equipes intergeracionais é um grande desafio. As melhores empresas serão aquelas que souberem trabalhar com todo tipo de cultura, todas as gerações, tirando proveito dessas diferenças, e não alimentando as diferenças entre as pessoas. Uma empresa precisa dos jovens com sua visão de futuro, seu contato com a realidade que a inserção do cotidiano da vida lhes proporciona, mas ao mesmo tempo precisa de pessoas mais maduras, com experiência e talvez mais profundidade, tomando decisões complexas provavelmente de forma mais lenta que a geração Y, mas provavelmente mais adequadas por ampliar o escopo de variáveis analisadas. O importante é trabalhar os conflitos, da mesma maneira que devemos trabalhá-los nas nossas vidas pessoais, discutindo não só as opiniões que são diferentes, mas o motivo que nos leva a tomar essas decisões. Dessa discussão nasce o encontro criativo, com aprendizados que nos serão úteis para a vida toda.
RH - Quais as suas expectativas em relação às futuras equipes que formarão as grandes empresas?
Eline Kullock - As equipes serão, provavelmente, gerenciadas de uma forma um pouco diferente. Primeiro porque a tecnologia já nos permite gerenciar a distância e muitas empresas já estão incorporando o conceito de "home office" para algumas funções, e o gerenciamento pode ser feito à distância. As reuniões, portanto, não deverão ser presenciais, o que dificulta ainda mais o processo de gestão. As reuniões serão mais curtas, porque os jovens não conseguem focar durante tanto tempo quanto os mais velhos. Há muita vida acontecendo para que eles se concentrem por mais de 2 horas num processo só. A língua brasileira vai mudar e começaremos a usar expressões mais abreviadas para facilitar o "texting". Hoje em dia o celular já não fica mais junto a nossa orelha para que possamos escutar: ele passou pra nossa frente, onde podemos ver a telinha e digitar! Provavelmente as novas gerações virão com mais conhecimento da tecnologia e surgirão outros aplicativos e sistemas que facilitarão mais a gestão de pessoas e processos.
RH - Brevemente, a geração Z marcará presença nas organizações. O que podemos esperar desses futuros profissionais?
Eline Kullock - Ainda há poucas informações para falarmos de uma geração Z. Como acredito que cada geração é função de uma história e de uma cultura, ainda não vejo nada especial no toante à mudança de cultura que possa sugerir que outra geração com características está chegando. Se for só uma questão de velocidade, a próxima geração será igual à geração Y e não a especificaremos como uma ‘nova' geração. Vejo jovens ainda entrando na adolescência que já desenvolvem games, que já podem trabalhar na vida corporativa. Imagino que vamos ter pessoas mais jovens trabalhando e ganhando seu próprio sustento. Não quero aqui dizer se isto será bom ou ruim. Não há este conceito, no estudo das gerações. Cada geração foi boa no seu próprio tempo. Conviver com diferentes gerações é a possibilidade de enxergar o novo, o futuro. E isto é fascinante! A família e a escola vão ter que se reinventar, para lidar com a nova realidade dos nossos jovens, especialmente em um momento de Brasil de pleno emprego, onde existe a necessidade de se formar novos profissionais, em profissões novas, até então desconhecidas para nós, com um modelo de ensino muito diferente daquele de antigamente, porque somos todos donos do saber com as possibilidades que a internet nos oferece.
Por: Patrícia Bispo
Formada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo, pela Universidade Católica de Pernambuco/Unicap.
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